ROMPER COM O CRESCIMENTO CAPITALISTA, POR UMA ALTERNATIVA ECOSSOCIALISTA

A direção da Quarta Internacional aprovou, como primeira versão, um Manifesto Ecossocialista, que será discutido no próximo Congresso Mundial em fevereiro de 2025 (ver abaixo).

Este documento baseia-se na convicção de que é necessária uma sociedade ecossocialista, livre da dominação de classe, género, raça ou colonial, e que só pode ser alcançada através de uma revolução. O Manifesto tenta avaliar as melhores formas e meios para atingir este objetivo.

Interessa-nos comentários, críticas e argumentos de cientistas relevantes, pensadores marxistas e movimentos sociais e políticos significativos. Não pretendemos ter o monopólio da verdade e acreditamos que o diálogo com outras forças radicais e revolucionárias é necessário, na verdade indispensável, se quisermos avançar na luta.

Versão adotada pelo Comité Internacional

Fevereiro de 2024

Ilustração: Pedro Taveira

INTR.1.1. Este Manifesto é um documento da Quarta Internacional, fundada em 1938 por Leon Trotsky e os seus camaradas para salvar o legado da Revolução de Outubro do desastre estalinista. Rejeitando um dogmatismo estéril, a Quarta Internacional integrou no seu pensamento e prática os desafios dos movimentos sociais e da crise ecológica. As suas forças são limitadas, mas estão presentes em todos os continentes e têm contribuído ativamente para a resistência ao nazismo, o Maio de 68 em França, a solidariedade com as lutas anticoloniais (Argélia, Vietname), o crescimento do movimento antiglobalização e o desenvolvimento do ecossocialismo.

A Quarta Internacional não se considera a única vanguarda; participa, na medida das suas forças, em amplas formações anticapitalistas. O seu objetivo é contribuir para a formação de uma nova Internacional, de carácter de massas, da qual seria um dos componentes.

INTR.1.2. A nossa era é a de uma dupla crise histórica: a crise da alternativa socialista face à crise multifacetada da “civilização” capitalista.

INTR.1.3 Se a Quarta Internacional publica este Manifesto em 2025, é porque estamos convencidos de que o processo de revolução ecossocialista em diferentes escalas territoriais, mas com uma dimensão planetária, é mais necessário do que nunca: trata-se agora de uma questão não só de pôr fim às regressões sociais e democráticas que acompanham a expansão capitalista global, mas também de salvar a humanidade de uma catástrofe ecológica sem precedentes na história humana. Estes dois objetivos estão indissociavelmente ligados.

INTR.1.4. No entanto, o projecto socialista que constitui a base das nossas propostas requer uma ampla refundação alimentada pela avaliação pluralista das experiências e pelos grandes movimentos que lutam contra todas as formas de dominação e opressão (classe, género, comunidades nacionais dominadas etc.). O socialismo que propomos é radicalmente diferente dos modelos que dominaram o século passado ou de qualquer regime estatista ou ditatorial: é um projeto revolucionário, radicalmente democrático, alimentado pelo contributo das lutas feministas, ecologistas, antirracistas, anticolonialistas, antimilitaristas e LGBTQ+.

INTR. 1.5. Utilizamos o termo ecossocialismo há algumas décadas, porque estamos convictos de que as ameaças e desafios globais colocados pela crise ecológica devem integrar todas as lutas dentro ou contra a ordem globalizada existente e exigem uma reformulação do projeto socialista. A relação com o nosso planeta, a superação da “falha metabólica” (Marx) entre as sociedades humanas e o seu meio ambiente e o respeito pelo equilíbrio ecológico do planeta não são apenas capítulos do nosso programa e estratégia, mas o seu fio condutor.

INTR.1.6. A necessidade de atualizar as análises do marxismo revolucionário sempre inspirou a ação e o pensamento da Quarta Internacional. Continuamos esta abordagem no nosso trabalho de redação deste Manifesto Ecossocialista: queremos ajudar a formular uma perspetiva revolucionária capaz de enfrentar os desafios do século XXI. Uma perspetiva que se inspira nas lutas sociais e ecológicas e nas reflexões críticas genuinamente anticapitalistas que se desenvolvem em todo o mundo.

1. A necessidade objetiva de uma revolução ecossocialista, antirracista, antimilitarista, anticolonialista e feminista

1.1. O capital triunfa, mas o seu triunfo mergulha-o nas contradições intransponíveis destacadas por Marx. Perante estas, Rosa Luxemburgo lançou o seu alerta em 1915: “Socialismo ou barbárie”. A atualidade deste alerta é mais urgente do que nunca, pois a catástrofe que cresce à nossa volta não tem precedentes. Às pragas da guerra, do colonialismo, da exploração, do racismo, do autoritarismo, das opressões de todos os tipos, acrescenta-se de facto um novo flagelo, que agrava todos os outros: a destruição acelerada pelo capital do meio ambiente natural do qual depende a sobrevivência da humanidade.

1.2. Os cientistas identificam oito indicadores globais de sustentabilidade ecológica. Os limites de perigo estão estimados para sete deles. Devido à lógica capitalista de acumulação, pelo menos sete já foram ultrapassados: clima, integridade funcional dos ecossistemas, ciclo do nitrogénio, ciclo do fósforo, água doce subterrânea, água doce de superfície e área dos ecossistemas naturais; seis deles ultrapassam mesmo o “teto” (só o clima não o ultrapassa). Os pobres são as principais vítimas, sobretudo nos países pobres.

1.3. Sob o chicote da concorrência, a grande indústria e a finança reforçam o seu domínio despótico sobre as pessoas e a Terra. A destruição continua, apesar dos gritos de alerta da ciência. A ânsia de lucro, como um autómato, exige sempre mais mercados e sempre mais mercadorias, portanto, mais exploração da força de trabalho e pilhagem dos recursos naturais.

1.4. O capital legal, o chamado capital criminoso e a política burguesa estão intimamente interligados. A Terra é comprada a crédito pelos bancos, pelas multinacionais e pelos ricos. Os governos estrangulam cada vez mais os direitos humanos e democráticos através da repressão brutal e do controlo tecnológico. Um novo fascismo oferece os seus serviços para salvar o sistema através da mentira, do racismo, do sexismo, da xenofobia e da demagogia social.

1.5. É um eufemismo dizer que os limites da sustentabilidade também são ultrapassados ​​ao nível social.

1.6. Com os seus iates, os seus jatos, as suas piscinas, os seus enormes campos de golfe exclusivos, os seus muitos SUV, o seu turismo espacial, as suas joias, a sua haute couture e as suas luxuosas casas nos quatro cantos do mundo, o 1% dos mais ricos possuem tanto como 50% da população mundial. A teoria do trickle down [de que a riqueza dos ricos “escorre” para os pobres] é um mito. É para os ricos que a riqueza “escorre” e não o contrário. A pobreza está a aumentar mesmo nos países “desenvolvidos”. Os rendimentos do trabalho são comprimidos impiedosamente e as proteções sociais – onde existem – são desmanteladas. A economia capitalista mundial flutua num oceano de dívidas, exploração e desigualdades.

1.7. A distribuição injusta de recursos gera desastres ambientais entre os diferentes grupos étnico-raciais. Por exemplo, nas sociedades capitalistas desenvolvidas e muitas vezes em desenvolvimento, as pessoas pobres e racializadas são as que normalmente habitam os territórios mais afetados pela poluição, com maior concentração de lixo, bem como áreas de risco sem planeamento urbano, como encostas e colinas. O racismo ambiental é outra face da exclusão que o capitalismo impõe às pessoas racializadas e pobres.

1.8. As desigualdades e a discriminação afetam em particular as mulheres, que continuam a assegurar a maior parte do trabalho doméstico e de cuidados, seja ele gratuito ou remunerado. Elas recebem apenas 35% do rendimento do trabalho. Em algumas regiões do mundo (China, Rússia, Ásia Central), a sua parte está a diminuir, por vezes significativamente. Para além do trabalho, as mulheres estão sob ataque em todas as frentes enquanto mulheres – desde a violência sexista e sexual até ao direito à alimentação, ao direito à educação, ao direito a serem respeitadas e ao direito de controlar os seus próprios corpos.

1.9. Enquanto pessoas idosas das classes trabalhadoras (e também algumas da “classe média”) são descartadas, as vidas das gerações futuras são geralmente mutiladas de antemão. A maioria dos pais das classes trabalhadoras já não acredita que os seus filhos viverão melhor do que eles. Um número crescente de jovens observa com pavor, raiva, tristeza e pesar a destruição organizada do seu mundo, violado, estripado, afogado em betão, engolido pelas águas frias do cálculo egoísta: a destruição programada do seu futuro.

1.10. Os flagelos da fome, da insegurança alimentar e da má-nutrição diminuíram no final do século XX; estão agora de novo a ressurgir em resultado de uma convergência catastrófica do neoliberalismo, do militarismo e das alterações climáticas: quase uma em cada dez pessoas passa fome, quase uma em cada três sofre de insegurança alimentar, mais de três mil milhões não conseguem pagar uma dieta saudável. Cento e cinquenta milhões de crianças com menos de cinco anos sofrem de atraso no crescimento devido à fome.

1.11. A esperança de um mundo pacífico a curto prazo evapora-se. Mais de 30 países no mundo estão ou estiveram recentemente em guerras de dimensões consideráveis, incluindo o Sudão, o Iraque, o Iémen, a Palestina, a Síria, a Ucrânia, a Líbia, o Congo (RD) e Mianmar. A própria crise climática, os fenómenos meteorológicos e os intensos fluxos migratórios subsequentes alimentam inúmeros conflitos em todo o mundo. O sofrimento, a deslocação e a morte das populações são tremendos.

1.12. Enquanto os imperialismos se digladiam, são postas em causa medidas urgentes para a transição climática e um futuro sustentável. As guerras, além de serem calamitosas em termos de vidas humanas, de atacarem o corpo das mulheres, de usarem a violação como instrumento de terror e de desumanizarem a vida coletiva, são prejudiciais ao planeta em que vivemos. Destroem habitats, provocam desflorestação, envenenam os solos, as águas e o ar e são importantes fontes de emissões de carbono.

1.13. A brutal guerra da Rússia contra a Ucrânia em 2022 e o novo nível de limpeza étnica perpetrado na guerra em Gaza de 2023/24 contra o povo palestiniano são crimes graves contra a humanidade. Estes dois casos confirmam a natureza bárbara do capitalismo atual. A agressão imperialista russa contra a Ucrânia em 2022 fomentou tensões geopolíticas à escala global. Isto confirma a entrada numa nova era de competição inter-imperialista pela hegemonia global, com os EUA e os seus aliados de um lado e a China e os seus aliados do outro lado. Os recursos de terras, energéticos e minerais são uma aposta importante desta competição inter-imperialista.

1.14. Todos poderiam ter uma vida boa na Terra, mas o capitalismo é um modo de predação explorador, machista, racista, bélico, autoritário e mortal. O produtivismo é destrutivismo. Em dois séculos, conduziu a humanidade a um profundo impasse ecossocial.

1.15. As alterações climáticas são o aspeto mais perigoso da destruição ecológica, são uma ameaça à vida humana sem precedentes na história. A Terra corre o risco de se tornar um deserto biológico inabitável para milhares de milhões de pessoas pobres que não são responsáveis por esta calamidade. Para travar esta catástrofe, devemos reduzir para metade as emissões globais de dióxido de carbono e metano antes de 2030, e cancelá-las antes de 2050. Portanto, é uma prioridade banir os combustíveis fósseis, a agroindústria, a indústria da carne e a hipermobilidade, ou seja, produzir menos globalmente.

1.16. Por um lado, a loucura da acumulação capitalista confronta a humanidade com a necessidade urgente de um decrescimento global do consumo final de energia e, portanto, da produção material e transporte. Por outro lado, três mil milhões de pessoas, principalmente no Sul Global1, vivem em condições deploráveis devido ao capitalismo e ao imperialismo. A justiça social exige que certos tipos de produção cresçam para satisfazer as suas enormes necessidades insatisfeitas: bons sistemas de saúde, casas decentes, boa alimentação, boa educação, transportes públicos, água potável, segurança social para todos…

1.17. Existe uma saída para esta contradição? Sim, existe. É possível aos humanos viverem e consumirem muito menos do que antes, graças aos avanços tecnológicos da medicina, da construção, da eficiência energética, entre outros. O impacto climático da produção destinada a satisfazer as necessidades humanas – em especial quando democraticamente planeada e assumida pelo sector público num contexto de igualdade social – é muito menor do que o da produção destinada a satisfazer as necessidades dos ricos através do crescimento do PIB e da concorrência cega no mercado pelo lucro. O 1% dos mais ricos emitem quase o dobro de CO2 do que os 50% dos mais pobres. Os 10% dos mais ricos são responsáveis por mais de 50% das emissões de CO2. Os pobres emitem muito menos de 2-2,3 toneladas de CO2 por pessoa e por ano (o volume médio a atingir em 2030 se quisermos atingir emissões líquidas zero em 2050 com uma probabilidade de 50%). Responder às suas necessidades teria um impacto ecológico limitado. Na verdade, para parar a catástrofe, é necessário mais do que nunca uma sociedade que proporcione bem-estar e garanta igualdade. Uma perspetiva desejável, mas o 1% de ricos deveriam dividir as suas emissões por trinta dentro de alguns anos. Mas eles recusam-se a fazer o mínimo esforço! Pelo contrário: querem cada vez mais privilégios!

1.18. Os governos comprometeram-se a permanecer abaixo dos +1,5 °C, a manter a biodiversidade, a alcançar o chamado “desenvolvimento sustentável” e a respeitar o princípio de “responsabilidades e capacidades comuns mas diferenciadas” na crise ecológica,… ao mesmo tempo que produzem cada vez mais mercadorias, utilizando cada vez mais energia. É de excluir que estas promessas combinadas sejam respeitadas pelo capital. Os factos demostram-no:

1.18.1. – Trinta e três anos depois da Cimeira da Terra no Rio (1992), o leque energético global ainda é completamente dominado pelos combustíveis fósseis (84% em 2020). A produção total de combustíveis fósseis aumentou 62%, passando de 83 terawatt.hora (TWh) em 1992 para 136 TWh em 2021. As energias renováveis juntam-se ao sistema de energia principalmente fóssil, oferecendo mais capacidades e novos mercados aos capitalistas.2

1.18.2. – Com a crise energética desencadeada depois da pandemia e agravada pela guerra imperialista da Rússia contra a Ucrânia, todas as potências capitalistas retomaram o carvão, o petróleo, o gás natural (incluindo o gás de xisto) e a energia nuclear.

1.18.3. – Principal força historicamente responsável pelas alterações climáticas, o imperialismo norte-americano dispõe de enormes meios para lutar contra a catástrofe, mas os seus representantes políticos subordinam criminosamente esta luta à proteção da sua hegemonia mundial, quando não a negam simplesmente.

1.18.4. – As medidas implementadas pelos grandes poluidores sob o lema “descarbonização” não só não conseguem resolver a magnitude da crise climática, mas também aceleram o extrativismo, principalmente nos países dominados, mas também no Norte e nos oceanos, à custa das populações e dos ecossistemas.

1.18.5. – Esta chamada “descarbonização” agrava o açambarcamento de terras imperialista e a exploração do trabalho no Sul, com a cumplicidade das burguesias locais (como exemplificado por diferentes projetos de investimento com base na utilização de energia solar e eólica, especialmente em “zonas francas” de países pobres, para produzir “hidrogénio verde” destinado a abastecer as indústrias dos países desenvolvidos).

1.18.6. – Os “mercados de carbono”, as “compensações de carbono”, as “compensações de biodiversidade” e os “mecanismos de mercado”, com base na compreensão da natureza como capital, sobrecarregam os menos responsáveis, os pobres, em particular os povos indígenas, os povos racializados e os povos do Sul em geral.

1.19. Válidos em teoria, conceitos abstratos como “economia circular”, “resiliência”, “transição energética”, “biomimetismo” tornam-se fórmulas vazias na prática assim que são utilizadas ao serviço do produtivismo capitalista. Se não existir um plano de conversão da produção aplicado pela sociedade como um todo, então as melhorias técnicas (por exemplo, para tornar a produção de energia mais barata) têm frequentemente um efeito de ricochete3: uma redução do preço da energia conduz, geralmente, a um maior consumo de energia e de materiais.

1.20. Face à crise climática, o fetichismo capitalista da acumulação acabará por deixar apenas duas opções: exibir tecnologias de aprendiz de feiticeiro (nuclear, captura-sequestro de carbono, geoengenharia…)… ou deixar que a “natureza” elimine alguns milhares de milhões de pessoas pobres em países pobres.

1.21. Politicamente, a impotência e a injustiça do capitalismo verde fazem o jogo de um neofascismo fóssil, conspiratório, colonialista, racista, violentamente machista e LGBTfóbico, que não se deixa intimidar por esta segunda possibilidade. Um sector dos ricos marcha no sentido de um gigantesco crime contra a humanidade, apostando cinicamente que a sua riqueza o vai proteger, deixando os pobres morrerem.

1.22. O capitalismo “verde” neoliberal e o neofascismo negacionista climático não são a mesma coisa, sendo esta última muito pior, mas nenhum destes regimes poderia impedir a continuação do aquecimento global, com consequências terríveis, e o primeiro alimenta o segundo. Embora as vítimas sejam mais numerosas nos países pobres, os países ricos também vão sofrer perdas dramáticas. O capitalismo mundial não está a progredir gradualmente no sentido da paz e do desenvolvimento sustentável, está a voltar para trás e a passos largos no sentido da guerra, do desastre ecológico, do genocídio e da barbárie neofascista.

1.23. Perante este desafio, não basta questionar o regime neoliberal e revalorizar o papel do Estado. Não seria sequer suficiente parar a dinâmica de acumulação (um objetivo impossível sob o capitalismo!). O consumo final global de energia deve diminuir radicalmente, o que significa produzir menos e transportar menos à escala global.

1.24. Para respeitar esta limitação ecológico-climática, a própria orientação da economia deve mudar de cima para baixo: a ciência e os avanços tecnológicos devem ser utilizados para satisfazer as necessidades sociais da humanidade e regenerar o ecossistema global, em vez de satisfazer a corrida ao lucro dos capitalistas. É a única solução que permite conciliar a necessidade legítima de bem-estar para todos e a regeneração do ecossistema global. A suficiência justa e o decrescimento justo – o decrescimento ecossocialista – é uma condição sine qua non da salvação.

1.25. A saída do impasse produtivista só é possível nas seguintes condições:

1.25.1. abandonar o “tecnossolucionismo”, ou seja, a ideia de que a solução virá das novas tecnologias (o seu impacto na energia e nos recursos é frequentemente subestimado ou não é tido em conta). Em termos ecológicos, decidir utilizar os meios de que dispomos, suficientes para satisfazer as necessidades de todos;

1.25.2. reduzir drasticamente a pegada ecológica dos ricos para permitir uma vida boa para todos;

1.25.3. acabar com o mercado livre de capitais (bolsas de valores, bancos privados, fundos de pensões);

1.25.4 – regular os mercados de bens e serviços;

1.25.5 – maximizar as relações diretas entre produtores e consumidores a todos os níveis da sociedade, bem como os processos de avaliação das necessidades e dos recursos, na perspetiva dos valores de uso e das prioridades ecológicas e sociais;

1.25.6. – determinar democraticamente quais as necessidades que estes valores de uso devem satisfazer e como;

1.25.7. – incluir no centro desta deliberação democrática o cuidado dos seres humanos e dos ecossistemas, um profundo respeito pelos seres vivos e pelos limites ecológicos;

1.25.8. – suprimir, por conseguinte, a produção e os transportes inúteis, repensar e reorganizar toda a atividade produtiva, a sua circulação e o respetivo consumo.

1.26. Estas condições são necessárias, mas não suficientes. As crises social e ecológica são uma só. É preciso reconstruir um projeto de emancipação para os explorados e os oprimidos. Um projeto de classe que, para além das necessidades básicas, privilegie o ser em detrimento do ter. Um projeto que altere profundamente os comportamentos, o consumo, a relação com o resto da natureza, a conceção da felicidade e a visão que os humanos têm do mundo. Um projeto anti-produtivista para viver melhor, cuidando dos seres vivos no único planeta habitável do sistema solar.

1.27. O capitalismo já tinha antes mergulhado a humanidade numa situação igualmente sombria, especialmente nas vésperas do primeiro conflito mundial. A histeria nacionalista tomou conta das massas e a social-democracia, traindo a sua promessa de responder à guerra com a revolução, deu luz verde à pior carnificina da história da humanidade. No entanto, Lenine definia a situação como “objetivamente revolucionária”: só a revolução poderia parar o massacre, afirmou. A história deu-lhe razão: a revolução na Rússia e o receio da sua propagação obrigaram as burguesias a pôr fim ao massacre. A comparação tem obviamente os seus limites. As mediações para a ação revolucionária são hoje infinitamente mais complexas. Mas é necessário o mesmo despertar de consciências. No entanto, perante a crise ecológica, uma revolução anticapitalista é ainda mais objetivamente necessária. É este critério fundamental que deve servir de base à elaboração de um programa, de uma estratégia e de uma tática, porque não há outra maneira de evitar a catástrofe.

1.28. Tudo depende dos resultados das lutas. Qualquer que seja a dimensão do desastre, em cada etapa, as lutas farão a diferença. No seio das lutas, tudo depende da capacidade dos militantes ecossocialistas se organizarem para, na prática, se orientarem pela bússola da necessidade histórica objetiva.

2. O mundo pelo qual lutamos

2.1. O nosso projeto de sociedade futura articula a emancipação social e política com o imperativo de pôr termo à destruição da vida e de reparar, tanto quanto possível, os danos já causados.

2.2. Queremos (tentar) imaginar o que seria uma vida boa para todos e em todo o lado, reduzindo o consumo de matéria e de energia e, por conseguinte, reduzindo a produção material. Não se trata de um modelo já pronto, mas de ousar pensar um outro mundo, um mundo que nos faça querer lutar para o construir, rompendo com o capitalismo e o produtivismo.

“Sim, é pelo pão que lutamos, mas também lutamos por rosas.”

2.3. Uma vida boa para todos exige que as necessidades humanas básicas – alimentação saudável, saúde, alojamento, ar e água limpos – sejam satisfeitas.

2.4. Uma vida boa é também uma vida escolhida, gratificante e criativa, envolvida em relações humanas ricas e igualitárias, rodeada pela beleza do mundo e pelas realizações humanas.

2.5. O nosso planeta dispõe (ainda) de terra arável, água potável, sol e vento, biodiversidade e recursos de todos os tipos para satisfazer as necessidades humanas legítimas, renunciando aos combustíveis fósseis e à energia nuclear, nocivos para o clima. No entanto, alguns destes recursos são limitados e, portanto, esgotáveis, enquanto outros, embora sejam inesgotáveis, requerem para o seu consumo humano materiais esgotáveis, ou mesmo raros, e cuja extração é ecologicamente prejudicial. Em todo o caso, como a sua utilização não pode ser ilimitada, usamo-los com prudência e parcimónia em termos ecológicos.

2.6. Essenciais à nossa vida, são excluídos da apropriação privada, considerados bens comuns, porque devem beneficiar toda a humanidade hoje e a longo prazo. Para garantir esses bens comuns ao longo do tempo, são elaboradas regras coletivas que definem os usos, mas também os limites destes usos, as obrigações de conservação ou de reparação.

2.7. Como não se cuida de um mangal da mesma forma que uma calota glacial, uma zona húmida da mesma forma que uma praia arenosa, uma floresta tropical da mesma forma que um rio, como a energia solar não obedece às mesmas regras, não impõe as mesmas restrições materiais que a eólica ou a hidráulica, a elaboração de normas só pode ser fruto de um processo democrático que envolva os diretamente afetados, trabalhadores e habitantes.

2.8. O nosso bem comum consiste também no conjunto de serviços que permitem responder de forma igualitária e, portanto, gratuita, às necessidades de educação, saúde, cultura, acesso à água, à energia, às comunicações, aos transportes etc. Também eles são geridos e organizados democraticamente por toda a sociedade.

2.9. Os serviços que se ocupam das pessoas e dos cuidados de que necessitam nas diferentes fases da vida rompem a separação entre o público e o privado, no respeito pela intimidade de cada um, e acabam com a atribuição dessas tarefas às mulheres ao socializá-las, ou seja, tornando-as um assunto de toda a sociedade. Estes serviços de reprodução social são instrumentos essenciais, entre outros, para a luta contra a opressão patriarcal.

2.10. Todos estes “serviços públicos” descentralizados, participativos e comunitários constituem a base de uma organização social não autoritária.

2.11. À escala da sociedade no seu conjunto, o planeamento ecológico democrático permite às populações reapropriarem-se das grandes escolhas sociais relativas à produção; decidirem, enquanto cidadãos e utilizadores, sobre o que produzir e como produzir, sobre os serviços que devem ser prestados, mas também sobre os limites aceitáveis de utilização dos recursos materiais como a água, a energia, os transportes, a terra etc. Estas escolhas são preparadas e esclarecidas por processos de deliberação coletiva que se baseiam na apropriação de conhecimentos, sejam eles científicos ou provenientes da experiência das populações, na auto-organização dos oprimidos (movimentos de libertação das mulheres, dos povos racializados, das pessoas com deficiência etc.) para fazer recuar as barreiras ao desenvolvimento e para continuar a luta consciente contra a discriminação e a opressão.

2.12. Esta democracia económica e política global articula-se com múltiplos coletivos/comités descentralizados: os que permitem tomar decisões a nível local, na cidade ou no bairro, sobre a organização da vida pública e os que permitem a quem trabalha e produz controlar a gestão e a organização da sua unidade de trabalho, decidir a forma de produzir e, portanto, de trabalhar. É a combinação destes diferentes níveis de democracia que permite a cooperação e não a competição, uma gestão justa do ponto de vista ecológico e social, satisfatória do ponto de vista humano, ao nível do local de trabalho, da empresa, do sector…, mas também do bairro, da cidade, da região, do país e até do planeta!

2.13. Todas as decisões sobre a produção e a distribuição, sobre a forma como queremos viver, são orientadas pelo princípio: descentralizar tanto quanto possível, coordenar tanto quanto necessário.

2.14. Assumir a responsabilidade pela própria vida e participar em coletivos sociais requer tempo, energia e inteligência coletiva. Felizmente, o trabalho de produção e de reprodução social ocupa apenas algumas horas por dia.

2.15. A produção é exclusivamente dedicada à satisfação de necessidades democraticamente determinadas. A produção e a distribuição são organizadas de modo a minimizar o consumo de recursos e a eliminar os desperdícios, a poluição e as emissões de gases de efeito estufa, visando permanentemente a sobriedade e a “sustentabilidade programada” (por oposição à obsolescência programada do capitalismo, seja ela planeada ou simplesmente devida à lógica da corrida ao lucro). Produzir o mais perto possível das necessidades a satisfazer permite reduzir os transportes e conhecer melhor o trabalho, os materiais e a energia necessários.

2.16. Assim, a agricultura é ecológica, de pequena escala e local, a fim de garantir a soberania alimentar e a proteção da biodiversidade. As oficinas de transformação e os canais de distribuição asseguram que a maior parte dos géneros alimentícios seja produzida em circuitos curtos.

2.17. O sector energético baseado em fontes renováveis é tão descentralizado quanto possível, para reduzir as perdas e otimizar as fontes. As atividades ligadas à reprodução social (saúde, educação, assistência às pessoas idosas ou dependentes, guarda de crianças etc.) são desenvolvidas e valorizadas, tendo o cuidado de não reproduzir os estereótipos de género.

2.18. Embora o trabalho ocupe menos tempo, tem um lugar essencial porque, juntamente com a natureza e cuidando dela, produz o que é necessário à vida.

2.19. A autogestão das unidades de produção, combinada com a planificação democrática, permite aos trabalhadores controlar sua atividade, decidir como organizar o trabalho e questionar a divisão entre trabalho manual e intelectual. A deliberação estende-se à escolha das tecnologias consoante permitam ou não ao coletivo de trabalho controlar o processo de produção. Privilegiar o conhecimento concreto, prático e real do processo de trabalho, o saber-fazer coletivo e individual e a criatividade, permite conceber e produzir objetos robustos, desmontáveis e reparáveis, reutilizáveis e, se necessário, recicláveis, e reduzir o consumo de materiais e de energia do fabrico à utilização.

2.20. Em todas as áreas, a convicção de fazer algo de útil e a satisfação de o fazer bem são combinadas. Quanto às tarefas fastidiosas, como a recolha do lixo, todos se esforçam por reduzir seu peso e suas dificuldades. No entanto, resta uma parte incontornável que cada um realiza à vez.

2.21. Uma grande parte da produção material, porque o volume é muito reduzido, pode ser desindustrializada (todo ou parte do vestuário ou da alimentação) e as competências artesanais, em que todos de podem formar, devem ser mais valorizadas.

2.22. Libertar o trabalho da alienação permite-nos abolir a fronteira entre a arte e a vida, numa espécie de “comunismo de luxo”. Podemos manter ou partilhar ferramentas, móveis, uma bicicleta, roupas… durante toda a vida, porque são engenhosamente concebidos e belos.

Ser em vez de ter.

“Só o que é bom para todos é digno de vós. Só é digno de ser produzido o que não privilegia nem rebaixa ninguém.” (A. Gorz).

2.23. A liberdade não está no consumo ilimitado, mas numa autolimitação escolhida e compreendida, conquistada contra a alienação consumista. A deliberação coletiva permite desconstruir necessidades artificiais, definir necessidades “universalizáveis”, isto é, não reservadas a certas pessoas ou a certas partes do mundo, que devem ser satisfeitas.

2.24. A verdadeira riqueza não está no aumento infinito de bens – ter – mas no aumento do tempo livre – ser. O tempo livre abre a possibilidade de realização no jogo, no estudo, na atividade cívica, na criação artística, nas relações interpessoais e com o resto da natureza.

2.25. Assim, abrimos caminho a muitas atividades, porque temos tempo para pensar nelas e porque podemos fazê-lo tendo como centro o cuidado das pessoas e do resto da natureza.

2.26. Os lugares onde vivemos, cada espaço em que socializamos, pertencem-nos para a construção de outras relações sociais interpessoais. Libertos da especulação fundiária e do automóvel, podemos repensar a utilização dos espaços públicos, reduzir a separação entre o centro e a periferia, multiplicar os espaços de lazer, de encontro e de partilha, desartificializar as cidades com a agricultura urbana e as hortas comunitárias, restaurar os biótopos integrados no tecido urbano… E, para além disso, implementar uma política a longo prazo destinada a reequilibrar as populações urbanas e rurais e a ultrapassar a oposição entre a cidade e o campo, a fim de reconstituir comunidades humanas habitáveis e sustentáveis, numa escala que permita uma verdadeira democracia.

2.27. Os nossos desejos e emoções deixam de ser coisas que se compram e vendem, as possibilidades de escolha são muito alargadas para todos, cada pessoa pode desenvolver novas formas de ter relações sexuais, de viver, de trabalhar e de criar crianças em conjunto, de construir projetos de vida de forma livre e diversificada, respeitando decisões pessoais e a humanidade de cada pessoa, com a ideia de que não há apenas uma opção possível, ou uma opção melhor do que as outras. A família pode deixar de ser o espaço para a reprodução da dominação e deixar de ser a única forma possível de vida coletiva. Podemos, assim, repensar a forma de parentalidade de um modo mais coletivo, politizar as nossas decisões pessoais sobre a maternidade e a paternidade, refletir sobre a forma como consideramos a infância e o papel das pessoas idosas ou deficientes, as relações sociais que estabelecemos com elas, e como somos capazes de quebrar as lógicas de dominação que interiorizámos, herdadas de sociedades anteriores.

2.28. Estamos a construir uma nova cultura, o oposto da cultura da violação, uma cultura que reconhece os corpos de todas as mulheres cis e trans e os seus desejos, que reconhece todas as pessoas como indivíduos capazes de decidir sobre os seus corpos, as suas vidas e as suas sexualidades, que torna visível que há mil formas de ser uma pessoa e de viver e expressar o nosso género e sexualidade.

2.29. A atividade sexual livremente consentida e agradável para todos os que dela participam é em si uma justificação suficiente.

2.30. Temos de aprender a pensar na interdependência dos seres vivos e a desenvolver uma conceção da relação entre a humanidade e a natureza que, provavelmente, se assemelhará, em alguns aspetos, à dos povos indígenas, mas que, no entanto, será diferente. Uma conceção em que as noções éticas de precaução, de respeito e de responsabilidade, bem como a admiração pela beleza do mundo, interagem constantemente com um conhecimento científico cada vez mais aperfeiçoado e cada vez mais consciente da sua incompletude.

3. O nosso método de transição

3.1. A nossa análise do capitalismo e, especificamente, das políticas da classe dominante em relação aos perigos ecológicos e às alterações climáticas, conduz-nos ao que se segue.

3.2. Em primeiro lugar, à necessidade de uma alternativa global e de um projeto social com base na produção de valor de uso, e não de valor de troca. Apertar este ou aquele parafuso dentro do sistema, sem mudar o modo de produção, não será capaz de evitar, ou mesmo mitigar significativamente, as crises atuais e as catástrofes que enfrentamos e que virão devido à permanência do sistema capitalista. Uma das tarefas importantes da política revolucionária é transmitir esta visão.

3.3. A compreensão da necessidade de uma mudança revolucionária global é uma tarefa que não pode ser resolvida diretamente e sem dificuldades na prática. É por isso que, em segundo lugar, é importante combinar a apresentação da perspetiva global com a apresentação de reivindicações imediatas, para as quais é efetivamente possível desenvolver ou promover mobilizações.

3.4. Em terceiro lugar, é preciso sublinhar que não se pode convencer as pessoas apenas com argumentos. Para convencer as pessoas a afastarem-se do sistema capitalista e encorajá-las a resistir, são necessárias lutas bem-sucedidas que deem coragem e demonstrem que são possíveis vitórias parciais.

3.5. E, em quarto lugar, lutas bem-sucedidas requerem melhor organização. Isto é sempre verdade em princípio, mas hoje – quando os sindicatos (em muitas partes do mundo), em grande medida, desapareceram politicamente, e a esquerda está fragmentada – é importante promover a cooperação prática de uma forma não-sectária, especialmente entre a esquerda anticapitalista e, ao mesmo tempo, apoiar os trabalhadores na sua auto-organização.

3.6. Por um lado, o tempo urge, se não quisermos ver ultrapassados os pontos de inflexão cruciais, e o aquecimento global acelerar descontroladamente. Por outro lado, a grande maioria das pessoas não está preparada para lutar por um sistema diferente, ou seja, para derrubar o capitalismo. Isto deve-se, em parte, a uma falta de conhecimento da situação global, mas ainda mais à falta de perspetiva sobre como poderia ou deveria ser a alternativa. Além disso, a correlação de forças social e política entre as classes não favorece verdadeiramente a confrontação com os governos e com quem se aproveita da ordem social capitalista.

3.7. Por outro lado, um programa de reformas que pretenda reformar o capitalismo ou superá-lo pouco a pouco (além disso, dirigido de cima para baixo) também não tem qualquer possibilidade de sucesso. Reformas que aceitam as regras do sistema capitalista não são capazes de enfrentar os desafios da crise ecológica. E mudanças graduais na economia e no Estado nunca conduziram a uma mudança de sistema. Quem tem propriedade e quem se aproveita do capitalismo não assistirá pacificamente à confiscação das suas riquezas e à perda gradual da base do seu modo de enriquecimento.

3.8. O tempo é escasso, e são necessárias medidas urgentes. Alguns opositores do ecossocialismo defendem reformas suaves “porque não podemos esperar pela revolução mundial”. Pois bem, quem defende o ecossocialismo não se propõe esperar! A nossa estratégia é começar AGORA, com reivindicação de transição concretas. É o início de um processo de mudança global. Não se trata de etapas históricas separadas, mas de momentos dialéticos de um mesmo processo. Cada vitória parcial ou local é um passo neste movimento, que reforça a auto-organização e encoraja a luta por novas vitórias.

3.9. Nas lutas de classe que virão – que são a base para a batalha pela hegemonia que envolve camadas mais amplas da classe trabalhadora, da juventude, das mulheres, dos povos indígenas etc. – tem de ficar claro que, em última análise, não há forma de contornar uma verdadeira mudança de sistema e a questão do poder. A classe dominante tem de ser expropriada e o seu poder político tem de ser derrubado.

Por um programa de transição anticapitalista

3.10. O método de transição já tinha sido sugerido por Marx e Engels na última secção do Manifesto Comunista (1848). Mas foi a Quarta Internacional que lhe deu o seu significado moderno, no Programa de Transição de 1938. O seu pressuposto básico é a necessidade dos revolucionários ajudarem as massas, no processo da luta quotidiana, a encontrar a ponte entre as exigências atuais e o programa socialista da revolução. Esta ponte deve incluir um sistema de reivindicações transitórias, decorrentes das condições atuais e da consciência atual de amplas camadas da classe trabalhadora; o objetivo é conduzir as lutas sociais para a conquista do poder pelo proletariado.

3.11. Evidentemente, os revolucionários não descartam o programa das antigas reivindicações “mínimas” tradicionais; obviamente, defendem os direitos democráticos e as conquistas sociais da classe trabalhadora. No entanto, propõem um sistema de reivindicações transitórias, que pode ser adequadamente compreendido por explorados e oprimidos, mas que, ao mesmo tempo, é dirigido contra as próprias bases do regime burguês.

3.12. A maior parte das reivindicações transitórias mencionadas no Programa de 1938 ainda são atuais: escala móvel de salários e escala móvel de horas de trabalho; controlo operário das fábricas, abertura das contas “secretas” das empresas; expropriação dos bancos privados; expropriação de certos grupos de capitalistas; entre outras. O interesse dessas propostas é unir na luta as massas populares mais amplas possíveis em torno de reivindicações concretas que estejam em contradição objetiva com as regras do sistema capitalista.

3.13. Mas precisamos de atualizar o nosso programa de reivindicações transitórias, de modo a ter em conta as novas condições do século XXI e, em particular, a nova situação criada pela crise ecológica e o perigo iminente das alterações climáticas catastróficas. Hoje, estas reivindicações devem ter um carácter socio-ecológico e, potencialmente, ecossocialista.

3.14. O objetivo das reivindicações ecossocialistas transitórias é estratégico: conseguir mobilizar amplas camadas de trabalhadores urbanos e rurais, mulheres, jovens, vítimas do racismo ou da opressão nacional, bem como sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda, numa luta que desafie o sistema capitalista e o domínio burguês. Estas reivindicações, que combinam interesses sociais e ecológicos, devem ser consideradas como necessárias, legítimas e relevantes por explorados e oprimidos, de acordo com o seu nível de consciência social e política. Na luta, as pessoas ganham consciência da necessidade de se organizarem, de se unirem e de lutarem; começam também a compreender quem é o inimigo: não apenas as forças locais, mas o próprio sistema. O objetivo das reivindicações ecossociais transitórias é aumentar, graças à luta, a consciência social e política de quem sofre exploração e opressão, a sua compreensão anticapitalista e, esperemos, uma perspetiva revolucionária ecossocialista.

3.15. Algumas destas exigências têm um carácter universal: por exemplo, transportes públicos gratuitos. É uma exigência simultaneamente ecológica e social, e contém sementes do futuro ecossocialista: serviços públicos versus mercado, e gratuidade versus lucro capitalista. No entanto, o seu significado estratégico não é o mesmo, depende das sociedades e das economias. As reivindicações ecossocialistas transitórias devem ter em conta as necessidades e aspirações das massas, de acordo com a sua expressão local, nas diferentes partes do sistema capitalista mundial.

4. Linhas mestras de uma alternativa ecossocialista ao crescimento capitalista

INTR.4.1. A satisfação das necessidades sociais reais, respeitando os constrangimentos ecológicos, só é possível pela rutura com a lógica produtivista e consumista do capitalismo que aumenta as desigualdades, prejudica a vida e “arruína as duas únicas fontes de toda a riqueza – a Terra e os trabalhadores” (Marx). Romper com esta lógica implica lutar prioritariamente pelas linhas de força seguintes. Elas formam um todo coerente, a completar ou quebrar de acordo com as especificidades nacionais e regionais. Naturalmente, em cada continente, e em cada país, há medidas específicas a serem propostas numa perspetiva de transição.

4.1. Contra as catástrofes, planos públicos de prevenção adaptados às necessidades sociais, sob controlo popular

Alguns efeitos da catástrofe climática são irreversíveis (subida do nível do mar) ou durarão muito tempo (ondas de calor, secas, precipitações excecionais, tornados mais violentos etc.). As companhias de seguros capitalistas não protegem as classes populares ou (na melhor das hipóteses) protegem-nas mal. Perante estes flagelos, os ricos só têm a palavra “adaptação” na ponta da língua. “Adaptação” ao aquecimento, para eles, serve para: 1º) desviar a atenção das causas estruturais, pelas quais o seu sistema é responsável; 2º) continuar com as suas práticas nefastas, centradas no lucro máximo, sem se preocupar com o longo prazo; 3º) oferecer novos mercados ao capitalismo (infraestruturas, climatização, transportes, compensação do carbono etc.). Esta “adaptação” capitalista, tecnocrática e autoritária, é de facto o que o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) chama “má adaptação”. Aumenta as desigualdades, a discriminação e a espoliação. Aumenta também a vulnerabilidade ao aquecimento, com o risco de comprometer seriamente a própria possibilidade de adaptação no futuro, especialmente nos países pobres. À “má adaptação” capitalista, opomos a exigência imediata de planos públicos de prevenção adaptados à situação das classes populares. São elas as principais vítimas dos fenómenos meteorológicos extremos, sobretudo nos países dominados. Os planos públicos de prevenção devem ser concebidos em função das suas necessidades e da sua situação, por meio do diálogo com os cientistas. Devem abranger todos os sectores, especialmente a agricultura, a silvicultura, a habitação, a gestão da água, a energia, a indústria, a legislação laboral, a saúde e a educação. Devem ser objeto de uma ampla consulta democrática, com direito de veto das populações locais e dos trabalhadores afetados.

4.2. Partilhar a riqueza para cuidar dos seres humanos e do nosso ambiente de vida, gratuitamente

4.2.1. Cuidados de saúde de qualidade, uma boa educação, boa prestação de cuidados às crianças, uma aposentação digna e um sistema de cuidados que respeite a dependência, habitação acessível, permanente e confortável, transportes públicos eficientes, energias renováveis, alimentação saudável, água potável, acesso à Internet e um ambiente natural em boas condições: estas são as verdadeiras necessidades que uma civilização merecedora deste nome deveria satisfazer suficientemente para todos os seres humanos, independentemente da sua cor de pele, género, etnia, convicções. Isto é possível ao mesmo tempo que se diminui significativamente a pressão global sobre o nosso ambiente. Por que é que ainda não o conseguimos? Porque a economia está sintonizada para induzir o consumo criado pelos capitalistas como um subproduto industrial. Eles consomem e investem sempre mais para obter lucros, apropriam-se de todos os recursos e transformam tudo em mercadorias. A sua lógica egoísta semeia o infortúnio e a morte.

4.2.2. Impõe-se uma viragem de 180°. Os recursos naturais e o conhecimento constituem um bem comum que deve ser gerido de forma prudente e coletiva. A satisfação das necessidades reais e a revitalização dos ecossistemas devem ser planeadas democraticamente e apoiadas pelo sector público, sob o controlo ativo das classes populares, e alargando o mais possível o livre acesso. Este projeto coletivo deve colocar ao seu serviço os conhecimentos científicos. O primeiro passo necessário é lutar contra as desigualdades e a opressão. A justiça social e uma vida boa para todos são exigências ecológicas!

4.3. Alargar os bens comuns e os serviços públicos, contra a privatização e a mercantilização

4.3.1. Este é um dos aspetos fundamentais de uma transição social e ecológica, em muitos domínios da vida. Por exemplo:

4.3.2. – a água: a atual privatização, o desperdício e a poluição da água – dos rios, dos lagos e do subsolo – são um desastre social e ecológico. A escassez de água e as inundações causadas pelas alterações climáticas são grandes ameaças para milhares de milhões de pessoas. A água é um bem comum e deve ser gerida e distribuída por serviços públicos, sob o controlo dos consumidores. As paisagens e as cidades devem ser tornadas permeáveis à água e capazes de a armazenar para evitar inundações maciças.

4.3.3. – a habitação: o direito básico de todas as pessoas a uma habitação decente, permanente e ecologicamente sustentável não pode ser garantido sob o capitalismo. A lei do lucro implica despejos, demolições e criminalização daqueles que resistem. Implica também contas de energia elevadas para os pobres e energias renováveis subsidiadas para os ricos. O controlo público do mercado imobiliário, a redução e o congelamento dos juros e dos lucros dos bancos, um aumento radical da habitação de qualidade, pública, social e cooperativa, um processo público de isolamento climático das casas e um programa maciço de construção de casas energeticamente autónomas, são os primeiros passos de uma política alternativa.

4.3.4. – a saúde: os resultados da pandemia de COVID-19 são cristalinos: as privatizações e os cortes no sector de cuidados enfraquecem as classes populares – em particular as crianças, as mulheres e as pessoas idosas – e constituem fortes ameaças à saúde pública em geral. Este sector deve ser refinanciado maciçamente e colocado integralmente nas mãos da coletividade. Os investimentos devem ir prioritariamente para a medicina de primeira linha. A indústria farmacêutica deve ser socializada.

4.3.5. – os transportes: o transporte individual no capitalismo privilegia o automóvel particular, com consequências nefastas para a saúde e para a ecologia. A alternativa é um amplo e eficiente sistema de transportes públicos gratuitos, bem como uma grande extensão de zonas para pedestres e ciclovias. As mercadorias são transportadas a grandes distâncias por camiões ou navios porta-contentores, com enormes emissões de gases; a redução do consumo supérfluo e a relocalização da produção, com o transporte de mercadorias por ferrovias, são medidas necessárias imediatas. O transporte aéreo deve ser significativamente reduzido, e suprimido para distâncias que possam ser cobertas por comboio.

4.4. Ir buscar o dinheiro onde ele está: os capitalistas e os ricos devem pagar

Uma estratégia global de transição digna desse nome deve articular a substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis, a proteção contra os efeitos já percetíveis das alterações climáticas, a compensação das perdas e dos prejuízos, a ajuda à reconversão (especialmente, a garantia de rendimento dos trabalhadores envolvidos) e a reparação dos ecossistemas. Até 2050, são necessários vários milhares de milhões de dólares. Quem deve pagar? Os responsáveis pela catástrofe: multinacionais, bancos, fundos de pensões, estados imperialistas e os ricos do Norte e do Sul. A alternativa ecossocialista exige um vasto programa de reforma fiscal e de redução radical das desigualdades, para ir buscar o dinheiro onde ele está: tributação progressiva, abolição do sigilo bancário, cadastro dos bens imobiliários, tributação do património, imposto único excecional com uma taxa elevada sobre heranças, eliminação dos paraísos fiscais, abolição dos privilégios fiscais das empresas e dos ricos, abertura dos livros de contabilidade das empresas, limitação dos rendimentos elevados, abolição das dívidas públicas reconhecidas como “ilegítimas” (sem compensação, exceto para pequenos investidores), compensação pelos países ricos do custo da renúncia à exploração dos seus recursos fósseis pelos países dominados (projeto do parque de Yasuni).

4. 5 Não há emancipação sem luta antirracista

A opressão racial é parte estrutural e estruturante do modo de produção capitalista, e foi um elemento que garantiu a acumulação primitiva do capital, possibilitada pela colonização e pelo tráfico de negros escravizados.

A construção de um novo mundo livre de toda a opressão e exploração exige que a oposição frontal ao racismo seja tarefa central da estratégia ecossocialista. É preciso reconhecer que o racismo molda as relações sociais e cumpre a tarefa de aprofundar e complexificar os mecanismos de exploração burguesa e de acumulação de riqueza. A diversidade que se desvia dos padrões da branquitude é transmutada em opressão.

A deslocação forçada de milhões de africanos, a sua comercialização nas Américas e a exploração da sua mão-de-obra garantiram o enriquecimento europeu e, ainda hoje, garantem privilégios. É preciso romper com a lógica genocida contra os grupos que não são brancos e procurar fortalecer a luta antiprisional contra o encarceramento em massa, especialmente através da tática neoliberal da suposta guerra às drogas, justificação para políticas genocidas contra populações socialmente racializadas.

A luta contra a militarização da polícia deve estar no centro da luta antirracista, assim como o acesso a condições de vida dignas em geral.

O racismo manifesta-se de forma central como mecanismo de opressão de sectores da classe trabalhadora até aos dias de hoje, configurando uma conceção específica de posições e acessos socialmente determinados para os brancos, isto é, o suposto sujeito universal, e para as pessoas percebidas como racializadas.

É necessário enfrentar todas as políticas de austeridade fiscal que aprofundam a precariedade da vida do conjunto da classe trabalhadora e recaem cada vez mais sobre as pessoas não brancas. Elas estruturam o racismo ambiental que, nesta emergência climática, distribui de forma desigual as consequências mortais da produção capitalista.

4.6. Liberdade de circulação e de permanência na Terra! Ninguém é ilegal!

A catástrofe ecológica é uma força motriz crescente da migração. Entre 2008 e 2016, uma média anual de 21,5 milhões de pessoas foram deslocadas à força devido a fenómenos meteorológicos. Na sua maioria, são pessoas pobres provenientes de países pobres. Prevê-se que a migração climática aumente nas próximas décadas: 1,2 mil milhões de pessoas poderão ser deslocadas a nível mundial até 2050. Ao contrário dos requerentes de asilo, os “refugiados climáticos” não têm qualquer estatuto. Não são responsáveis pela catástrofe ecológica, mas o verdadeiro responsável, o sistema capitalista, condena-os a engrossar as fileiras dos 108,4 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo em 2020 devido a perseguições, conflitos, violência e violações dos direitos humanos. Os direitos básicos destas pessoas são constantemente atacados: o direito de serem protegidas contra a violência; de disporem de água e alimentos suficientes; de viverem numa casa segura; de manterem a sua família unida; de encontrarem um emprego digno. Um número crescente destas pessoas (10 milhões) é mesmo considerado apátrida pelo ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Tudo isto é contrário à justiça mais elementar. Alimenta os fascistas, que fazem dos migrantes bodes expiatórios e os desumanizam. Trata-se de uma enorme ameaça para os direitos democráticos e sociais de todos. Como internacionalistas, lutamos por políticas restritivas contra o capital, não contra migrantes. Opomo-nos à construção de muros, ao confinamento em centros, à construção de campos, às expulsões, às deportações e à retórica racista. Ninguém é ilegal na Terra, toda a gente deve ter o direito de se deslocar e de sair de qualquer sítio. As fronteiras devem estar abertas a todos os que fogem do seu país, seja por razões sociais, políticas, económicas ou ambientais.

4.7. Eliminar as atividades económicas desnecessárias ou prejudiciais

Travar a catástrofe climática e o declínio da biodiversidade exige imperativamente uma redução muito rápida e significativa do consumo final de energia a nível mundial. É uma restrição inevitável. Os primeiros passos incluem a redução drástica do poder de compra dos ricos, o abandono da moda efémera, da publicidade e da produção/consumo de luxo (cruzeiros, iates e jatos ou helicópteros privados, turismo espacial etc.), a redução da produção em massa de carne e lacticínios e o fim da obsolescência acelerada dos produtos, prolongando sua vida útil e facilitando sua reparação. O transporte aéreo e marítimo de mercadorias deve ser reduzido drasticamente, pela relocalização da produção, e substituído pelo transporte ferroviário, sempre que possível. Mais estruturalmente, a restrição energética só pode ser respeitada reduzindo o mais rapidamente possível as atividades económicas inúteis ou prejudiciais. Os principais sectores produtivos a considerar são: produção de armas, energia fóssil e petroquímica, indústria extrativa, indústria de transformação não sustentável, indústria da madeira e de celulose, construção de automóveis pessoais, aviões e construção naval.

4.8. Soberania alimentar! Abandonar a agroindústria, a pesca industrial e a indústria da carne

Estes três sectores representam graves ameaças para o clima, a saúde humana e a biodiversidade. O seu desmantelamento exige medidas a nível da produção, mas também mudanças significativas no nível do consumo (nos países desenvolvidos e entre os ricos de todos os países) e da relação com os seres vivos. São necessárias políticas proactivas para acabar com a desflorestação e substituir a agroindústria, as plantações industriais de árvores e a pesca em grande escala pela agroecologia camponesa, a eco silvicultura e a pesca em pequena escala, respetivamente. Estas alternativas consomem menos energia, empregam mais mão-de-obra e respeitam muito mais a biodiversidade. Os agricultores e os pescadores devem ser devidamente compensados pela comunidade, não só pela sua contribuição para a alimentação humana, mas também pela sua contribuição ecológica. Os direitos dos povos indígenas sobre a floresta e outros ecossistemas devem ser protegidos. O consumo global de carne deve ser reduzido drasticamente. A indústria da carne e dos lacticínios deve ser desmantelada e deve ser promovida uma dieta baseada, principalmente, na produção local de vegetais. Ao fazê-lo, pomos fim ao tratamento abjeto dos animais na indústria da carne e na pesca industrial. A soberania alimentar, de acordo com as propostas da Via Campesina, é um objetivo fundamental. Requer uma reforma agrária radical: a terra para quem a trabalha, especialmente as mulheres. Expropriação das grandes propriedades e da agroindústria capitalista que produzem bens para o mercado mundial. Distribuição de terras a camponeses e trabalhadores sem-terra (famílias ou cooperativas) para a produção agro-biológica. Abolição das velhas e novas culturas transgénicas em campo aberto e eliminação dos pesticidas tóxicos (a começar por aqueles cuja utilização os países imperialistas proíbem, mas cuja exportação autorizam para os países dominados!).

4.9. Reforma urbana popular

Mais de metade da população mundial vive atualmente em cidades cada vez maiores. Ao mesmo tempo, as regiões rurais tornaram-se despovoadas, arruinadas pela agroindústria e pela mineração, e estão cada vez mais privadas de serviços essenciais. Os países dominados têm algumas das maiores megacidades do planeta (Jacarta, Manila, Cidade do México, Nova Deli, Bombaim, São Paulo, entre outras), um número crescente de sem-abrigo e de bairros da lata onde milhões de seres humanos (em volta de Karachi, Nairobi, Bagdad, …) sobrevivem e trabalham de modo informal em condições indignas. É uma das feridas mais hediondas deixadas pelo desenvolvimento capitalista e pela dominação imperialista. Para além da violência, as ondas de calor tornam a sobrevivência cada vez mais difícil nos bairros da lata e nos bairros pobres, sobretudo nos climas húmidos. A alternativa ecossocialista reivindica o lançamento de um vasto programa de habitações sociais, acompanhado de uma reforma urbana popular que mude a organização das grandes cidades, concebida em cooperação com as associações de sem-abrigo. Deve ser articulada, por um lado, com uma legislação laboral que proteja os trabalhadores e, por outro, com a atratividade da reforma agrária, para iniciar um movimento de contra-emigração rural.

4.10 Socializar a energia e as finanças, sem indemnização nem compensação, para abandonar o mais rapidamente possível os combustíveis fósseis e a energia nuclear

As multinacionais da energia e os bancos que as financiam querem explorar até à última tonelada de carvão, até ao último litro de petróleo, até ao último metro cúbico de gás. Inicialmente, esconderam e negaram o impacto do CO2 nas alterações climáticas. Agora, para continuarem a explorar estes recursos apesar de tudo e enquanto as escaladas dos preços lhes garantem lucros extraordinários gigantescos, prometem todo o tipo de técnicas falsas (greenwashing, mercado de “direitos de poluir”, “compensação de emissões”, “captura, sequestro e utilização do carbono”) e promovem a energia nuclear como “de baixo teor de carbono”. Não há dúvida: estes grupos ávidos de lucro conduzem o planeta da catástrofe climática ao cataclismo. Ao mesmo tempo, estão na vanguarda dos ataques capitalistas às classes trabalhadoras. Devem ser socializados por expropriação, sem indemnização nem compensação. Para parar a destruição social e ecológica, para determinar coletivamente o nosso futuro, nada é mais urgente do que constituir serviços públicos de energia e de crédito, descentralizados e interligados, sob o controlo democrático das populações.

4.11. Pela libertação e autodeterminação dos povos; contra a guerra, o imperialismo e o colonialismo

Defendemos um programa internacionalista baseado na justiça social, uma transição ecossocialista conduzida por forças libertadoras e coletivas e a paz entre os povos, enfrentando as políticas opressoras. Opomo-nos à NATO e a outras alianças militares que conduzem o mundo a novos conflitos inter-imperialistas; lutamos contra os aumentos dos orçamentos militares, pelo desmantelamento do fabrico e das reservas de todo o armamento nuclear, químico e bacteriológico e das ciber-armas; pelo desmantelamento de todas as empresas militares privadas. As armas não devem ser mercadorias; a sua utilização deve estar sob controlo político, para fins de defesa e proteção contra a agressão.

O único caminho para a paz passa por lutas vitoriosas pelo direito à autodeterminação, pelo fim da ocupação de terras e da limpeza étnica. Como internacionalistas, somos solidários com os povos oprimidos que lutam pelos seus direitos, especialmente na Palestina e na Ucrânia.

4.12. Garantir emprego para todos, assegurar a necessária reconversão profissional em atividades ecologicamente sustentáveis e socialmente úteis

Quem trabalha em atividades esbanjadoras e nocivas dos combustíveis fósseis, da agroindústria, da pesca industrial e da indústria da carne não tem de pagar o preço da gestão capitalista. Deve ser instituída uma garantia de emprego verde que assegure a sua reconversão coletiva, sem perda de rendimentos, nas atividades do plano público de atendimento às necessidades reais e de recuperação dos ecossistemas. Esta garantia de emprego verde permitirá superar os receios legítimos dos trabalhadores envolvidos. Assim, acabará a instrumentalização cínica desses receios pelos capitalistas, ao serviço dos seus interesses produtivistas/consumistas. Ao contrário, a garantia de emprego verde encorajará e motivará os trabalhadores dos sectores condenados a formarem-se e a mobilizarem-se para se encarregarem ativamente da realização do plano, em diálogo com o público beneficiário, investindo os seus conhecimentos, as suas competências e a sua experiência numa atividade rica de sentido, emancipadora, verdadeiramente humana, porque preocupada com a vida das gerações futuras.

4.13. Trabalhar menos, viver e trabalhar melhor, viver uma vida boa

Reduzir radicalmente o consumo final de energia, eliminando as produções/consumos inúteis e nocivos, tem como consequência, logicamente, a redução radical do tempo de trabalho social assalariado. Esta redução deve ser coletiva. O desperdício capitalista é de tal ordem que sua supressão abrirá, sem dúvida, a possibilidade concreta de uma redução muito significativa do tempo de trabalho semanal (para metade) e de uma diminuição significativa da idade da aposentação. Esta tendência para a diminuição será em parte compensada pela necessária redução dos ritmos de trabalho, bem como pelo aumento do trabalho de reprodução social e ecológica, necessário para cuidar das pessoas (incluindo a socialização de uma parte do trabalho doméstico efetuado gratuitamente, sobretudo pelas mulheres) e dos ecossistemas. O planeamento democrático será essencial para a articulação no tempo destes movimentos em várias direções. A rutura ecossocialista com o crescimento capitalista implica uma dupla transformação do trabalho. Quantitativamente, trabalharemos muito menos. Qualitativamente, ela criará as condições para fazer do trabalho uma atividade da vida boa – uma mediação consciente entre os seres humanos (portanto também entre homens e mulheres) e entre os seres humanos e o resto da natureza. Esta profunda transformação do trabalho e da vida mais do que compensará as mudanças no consumo que afetam as camadas mais bem pagas da classe trabalhadora, principalmente nos países desenvolvidos.

4.14. Garantir o direito das mulheres sobre seu próprio corpo

A humanidade não poderá gerir conscientemente a sua relação com o resto da natureza sem gerir conscientemente a sua relação consigo mesma, ou seja, a sua própria reprodução biológica, que passa pelo corpo das mulheres. Não é por acaso que os ataques patriarcais aos direitos das mulheres se intensificam por toda a parte: estes ataques são parte integrante de projetos políticos que visam estabelecer poderes fortes ao serviço dos ricos e dos capitalistas. Na maior parte das vezes, são levados a cabo em nome de uma ideologia reacionária “pró-vida”, que, aliás, nega as alterações climáticas antropogénicas. Ao lado destas forças reacionárias, há também correntes tecnocráticas que atribuem a crise ecológica ao “excesso de população” e tentam, assim, impor políticas autoritárias de controlo da natalidade. Perante estes dois tipos de ameaças, defendemos que nenhuma moral, nenhuma razão superior, mesmo ecológica, pode ser invocada para negar às mulheres o seu direito elementar de controlar sua própria fertilidade. A negação deste direito é consubstancial a todos os outros mecanismos de dominação, incluindo a “dominação humana” sobre o resto da natureza, em benefício do patriarcado e da sua forma capitalista atual. A emancipação humana inclui a emancipação das mulheres. Isto implica, prioritariamente, que as mulheres devem ter livre acesso à contraceção, ao aborto, à educação sobre a forma de os utilizar e aos cuidados reprodutivos em geral.

4.15. O conhecimento é um bem comum. Reforma dos sistemas de ensino e de investigação

O conhecimento é um bem comum da humanidade. A aplicação do programa de emergência ecossocialista tem uma necessidade premente de conhecimento descolonizado e descapitalizado, assumido por inúmeros e competentes professores e investigadores em todas as disciplinas. Reforma do sistema educativo, expansão das escolas e universidades públicas, fim da discriminação na educação, de que as raparigas são particularmente vítimas em certos países. Reconhecimento e integração dos conhecimentos e saberes indígenas. Reforma profunda da investigação para acabar com a sua submissão ao capital. Orientar a investigação prioritariamente para a reparação dos ecossistemas e para a satisfação das necessidades das classes populares, determinadas em concertação com elas.

4.16. Tirem as mãos dos direitos democráticos! Controlo popular e auto-organização das lutas

Impotente para refrear a catástrofe ecológica que criou, a classe dominante endurece o seu regime, criminaliza a resistência e escolhe bodes expiatórios. As suas políticas abrem caminho ao neofascismo niilista, nacionalista, racista e machista. Diante da burguesia que tira sua máscara, o ecossocialismo ergue a bandeira da ampliação dos direitos e das liberdades: direito de associação, de manifestação, direito de greve; eleição livre dos órgãos parlamentares num sistema multipartidário, proibição do financiamento privado dos partidos políticos, legalização dos referendos de iniciativa popular, abolição das instituições não democráticas (Banco Central Independente); proibição da propriedade privada dos grandes meios de comunicação, abolição da censura; luta contra a corrupção, dissolução das milícias ao serviço dos dirigentes, respeito pelos direitos e territórios das comunidades indígenas e de outros povos oprimidos etc. O ecossocialismo é uma alternativa societal que exige a mais ampla democracia. Prepara-se agora por meio da auto-organização democrática das lutas populares e da exigência, em todos os níveis, de transparência e controlo popular, com direito de veto.

4.17. Promover uma revolução cultural baseada no respeito atento dos seres vivos e no “amor pela Mãe Terra”

Uma rutura radical com a ideologia do domínio humano sobre a natureza é essencial para o desenvolvimento de uma cultura ecológica e feminista (ecofeminista) de “cuidado” das pessoas e do ambiente. A defesa da biodiversidade, em particular, não se pode basear apenas na razão (o interesse humano devidamente compreendido): requer igualmente empatia, respeito, prudência e o tipo de conceção global que os povos indígenas resumem na frase “amor à Mãe Terra”. Manter esta conceção global ou readquiri-la – por meio das lutas, da criação artística, da educação e das alternativas de produção/consumo, especialmente – é um desafio ideológico importante na luta ecossocialista. A modernidade ocidental sistematizou a ideia de que os seres humanos são criaturas divinas, cuja missão é dominar a natureza e instrumentalizar os outros animais, reduzidos ao nível de máquinas. Esta conceção não materialista, intimamente ligada às dominações coloniais e patriarcais, é hoje completamente desqualificada pelo conhecimento científico. Somos parte da Terra viva, somos também animais e a vida humana seria impossível na ausência das plantas, dos outros animais, da rede de vida neste planeta.

4.18. Planeamento autogerido ecossocialista

A transição ecossocialista necessita de planeamento. Em particular, a transformação do sistema energético (abandono do nuclear e dos combustíveis fósseis, poupança de energia e desenvolvimento de energias renováveis) tem de ser planeada. Ao contrário do que muitas vezes se afirma, o planeamento não é contraditório com a democracia e a autogestão. O exemplo desastroso dos países ditos do “socialismo real” mostra simplesmente que a autogestão é incompatível com o planeamento autoritário e burocrático, imposto de cima para baixo, desprezando qualquer democracia. O que significa um planeamento ecossocialista democrático? Concretamente, que toda a sociedade será livre para escolher democraticamente as prioridades de produção e o nível de recursos que devem ser investidos na educação, na saúde ou na cultura. Longe de ser “despótico” em si mesmo, o planeamento ecossocialista democrático é o exercício da liberdade de decisão de toda a sociedade, em todos os níveis, do local ao nacional e ao global. Um exercício necessário para nos libertarmos das “leis económicas” e das “jaulas de ferro” que são alienantes e reificadas nas estruturas capitalistas e burocráticas. O planeamento democrático, associado à redução do tempo de trabalho, seria um progresso considerável da humanidade em direção ao que Marx chamou de “reino da liberdade”: o aumento do tempo livre é, de facto, uma condição para a participação dos trabalhadores na discussão democrática e na autogestão da economia e da sociedade. O planeamento democrático ecossocialista diz respeito a escolhas económicas fundamentais, e não a restaurantes locais, mercearias, padarias, pequenas lojas, empresas artesanais. Do mesmo modo, é importante sublinhar que o planeamento ecossocialista não está em contradição com a autogestão dos trabalhadores nas suas unidades de produção. A autogestão significa, portanto, o controlo democrático do plano a todos os níveis – local, regional, nacional, continental e planetário – uma vez que as questões ecológicas, como as alterações climáticas, são globais e só podem ser abordadas a este nível. O planeamento democrático ecossocialista opõe-se ao que é muitas vezes descrito como “planeamento central”, porque as decisões não são tomadas por um “centro”, mas determinadas democraticamente pelas populações envolvidas, de acordo com o princípio da subsidiariedade: a responsabilidade pela ação pública, quando necessária, deve ser atribuída à menor entidade capaz de resolver o problema por si mesma.

5. Decrescimento global no contexto de um desenvolvimento desigual e combinado

5.1. Não haverá solução nacional: uma alternativa ecossocialista justa pode começar num país, mas a sua aplicação completa exige a abolição do capitalismo a nível global. Doravante, os explorados e os oprimidos precisam, portanto, de uma estratégia anticapitalista, anti-imperialista, antirracista e internacionalista consistente, que vise um desfecho global. Esta estratégia deve articular as lutas que se desenvolvem em contextos muito diferentes. Isto significa que as principais linhas de um programa ecossocialista que rompe com o crescimento capitalista têm relevância geral, mas aplicam-se de forma diferente em países diferentes. Algumas exigências são mais importantes em alguns países do que noutros, de acordo com a posição que ocupam no desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo sob o domínio imperialista.

5.2. Após séculos de escravatura e de pilhagem colonial, as populações dos países ditos “em desenvolvimento” são vítimas de uma nova e monstruosa injustiça. Embora a sua responsabilidade pelas emissões de gases com efeito de estufa seja pequena, quase nula nos países mais pobres, a mudança climática provocada por duzentos anos de crescimento capitalista imperialista coloca-as na primeira linha de catástrofes que as atingem cada vez mais duramente.

5.3. A África, a América Latina, a Ásia do Sul e do Sudeste e o Pacífico acolhem a grande maioria dos 3,5 mil milhões de mulheres, homens e crianças cujas condições de vida, e até a própria existência, são já cruelmente afetadas pelas consequências do aquecimento global. A urgência está presente e cresce muito rapidamente. Quanto mais as temperaturas sobem, menos as sociedades se podem proteger dos efeitos do aquecimento global. Secas, inundações, tufões, ondas de calor mortíferas e danos nos ecossistemas ameaçam cada vez mais a sobrevivência de milhões de seres humanos, a sua capacidade de trabalho e os seus direitos básicos, a curto e médio prazo.

5.4. Maioritárias no planeta, as populações dos países dominados têm o direito básico de aceder a condições de vida dignas. Os governos imperialistas, as instituições internacionais e os próprios governos dos países periféricos afirmam que o crescimento capitalista permitirá às populações do Sul alcançarem o nível de vida dos países capitalistas desenvolvidos, que basta uma “boa governança” para “ajustar” as sociedades às necessidades do mercado global. Trata-se de um beco sem saída, como mostra o facto de as desigualdades continuarem a aumentar (entre países e, cada vez mais, no interior dos países), enquanto o “orçamentode carbono” consistente com o aquecimento global limitado a 1,5º C desaparece rapidamente.

5.5. Na realidade, o modelo imperialista de desenvolvimento mantém os países dominados numa posição neocolonial de subordinação, como fornecedores de matérias-primas e de mão-de-obra barata, produtores de bens vegetais e animais para exportação, locais de armazenamento de resíduos – entre outros sumidouros de carbono apropriados pelos capitalistas para seu benefício – e principais vítimas da crise ecológica. A isto juntam-se agora as políticas escandalosas dos países desenvolvidos que pagam aos países dominados para desempenharem o papel de polícia de fronteiras. Sendo a principal responsabilidade das “elites” locais corruptas. Em vez de promoverem um desenvolvimento alternativo, baseado em valores sociais alternativos, colocaram-se ao serviço do imperialismo.

5.6. O discurso de “o Sul alcançar o Norte” não passa de uma quimera, de uma cortina de fumo para esconder a continuidade da exploração capitalista e imperialista, que amplia as desigualdades. Com o aumento das catástrofes ecológicas, este discurso está, objetivamente, a perder toda a credibilidade.

5.7. O mundo multipolar dos BRICS não é uma alternativa ao imperialismo, como mostra a política da Rússia e da China, os dois principais líderes desta aliança geoestratégica. Os seus dirigentes autocráticos não se opõem às práticas imperialistas e opressoras do imperialismo ocidental “clássico” – querem ter os mesmos direitos. Da mesma forma, o que contestam não é o fosso entre os direitos e as realidades nas práticas das sociedades ocidentais, são os próprios direitos (dos trabalhadores, das mulheres, dos LGBTQ+ etc.). Putin quer reconstruir um império colonial pela força e pela coerção. Tirando partido das enormes reservas de combustíveis fósseis, procura alianças com monarquias petrolíferas, outras ditaduras e interesses poderosos na indústria da energia e do crime, para prolongar a exploração dos combustíveis fósseis o mais possível. O Partido Comunista Chinês pretende mostrar aos países do Sul que podem escapar à dominação e desenvolver-se entrando nas Novas Rotas da Seda, mas o seu projeto de hegemonia capitalista global é um dos principais motores da destruição ecológica e da acumulação por expropriação.

5.8. Não é tempo de “o Sul alcançar o Norte”, mas de partilha planetária. A grande massa dos trabalhadores, das mulheres, dos jovens, das minorias étnicas, no “Norte” e nos países dominados, é vítima das alterações climáticas. De acordo com a análise científica das políticas climáticas, o 1% dos mais ricos emitirá ainda mais CO2 até 2030, os 50% dos mais pobres emitirão um pouco mais, mas permanecerão em grande medida abaixo do nível de emissões individuais compatível com 1,5 °C, os 40% intermédios suportarão a maior parte da redução das emissões (com o maior esforço proporcional imposto aos baixos rendimentos nos países ricos). Esta é a base de uma luta internacional pela justiça e pela igualdade. O escasso orçamento de carbono ainda disponível deve e pode ser partilhado de acordo com as responsabilidades e capacidades históricas, não só entre países, mas também, e cada vez mais, entre classes sociais. Os recursos minerais e a riqueza da biodiversidade devem ser explorados com cuidado, de acordo com as necessidades reais de todos.

5.9. Os capitalistas dos países imperialistas são, de longe, os principais responsáveis pela crise ecológica e devem pagar as consequências. A fatura deve ser paga também por países como as “monarquias do petróleo”, a Rússia e a China, embora a sua responsabilidade histórica não seja a mesma. Os países industrializados do “Norte” – Europa, América do Norte, Austrália, Japão – devem fazer os maiores esforços em termos de um rápido decrescimento das produções inúteis e/ou nocivas. São também responsáveis por dar aos países dominados acesso a tecnologias alternativas, bem como por financiar uma transição ecológica e uma verdadeira reparação das perdas e danos. A abolição das patentes deve permitir aos povos do Sul aceder livremente às tecnologias que podem responder às necessidades reais sem utilizar ainda mais energias fósseis.

5.10. Um dólar gasto na satisfação das necessidades do 1% dos mais ricos gera trinta vezes mais emissões de CO2 do que um dólar investido na satisfação das necessidades sociais dos 50% mais pobres da população mundial. Inúmeros estudos científicos mostram que a satisfação das necessidades básicas das classes populares, tanto nos países dominados como nos países ditos “desenvolvidos”, teria apenas uma pegada de carbono modesta. A redução radical da pegada de carbono do 1% dos mais ricos – no Norte e no Sul! – e a suficiência para todos o iriam compensá-la amplamente.

5.11. Para satisfazer suas necessidades, as populações dos países dominados precisam de um modelo de desenvolvimento radicalmente oposto ao modelo imperialista e produtivista. Um modelo que dê prioridade aos serviços públicos (saúde, educação, habitação, transportes, saneamento, eletricidade, água potável) para a massa da população, e não à produção de mercadorias para o mercado mundial. Um modelo anticapitalista e anti-imperialista, que exproprie os monopólios dos sectores financeiro, mineiro, energético, agroindustrial e os socialize sob controlo democrático.

5.12. Nos países mais pobres, a necessidade de satisfazer as necessidades da população exigirá o aumento da produção material e do consumo de energia durante um período. No quadro do modelo de desenvolvimento alternativo e de outros intercâmbios internacionais, a contribuição destes países para o decrescimento ecossocialista global e o respeito pelos equilíbrios ecológicos consistirá em:

• impor uma reparação justa aos países imperialistas;

• anular o consumo ostensivo da elite parasitária;

• combater os megaprojetos ecocidas inspirados nas políticas capitalistas neoliberais, como oleodutos gigantescos, projetos de mineração faraónicos, novos aeroportos, poços de petróleo offshore, grandes barragens hidroelétricas e extensas infraestruturas turísticas que se apropriam do património natural e cultural em benefício dos ricos;

• reforma agrária ecológica para substituir a agroindústria industrializada;

• recusar a destruição dos biomas por criadores gado, plantadores de óleo de palma, pela agroindústria em geral e pela mineração, a “compensação florestal” (projetos REDD e REDD+), bem como os “acordos de pesca” que oferecem os recursos pesqueiros às multinacionais da pesca industrial etc.

Com as suas lutas, as classes populares dos países dominados podem contribuir de forma decisiva para envolver os explorados de todo o mundo neste caminho, o único compatível tanto com os direitos humanos como com os limites terrestres.

6. Contra a corrente, fazer convergir as lutas para romper com o produtivismo capitalista. Conquistar o governo, iniciar a rutura ecossocialista baseada na autoatividade, na auto-organização, no controlo a partir de baixo, na mais ampla democracia

6.1. A economia, o Estado, a política da burguesia e suas relações internacionais são profundamente afetados pelo impasse ecossocial em que a acumulação capitalista e a pilhagem imperialista mergulharam a humanidade. Em todo o mundo, os explorados e oprimidos são dominados por uma profunda angústia.

6.2. Têm-se desenvolvido movimentos de resistência contra a corrente. Mesmo em contextos extremamente difíceis, as pessoas levantam-se em defesa dos seus direitos sociais, democráticos, anti-imperialistas, ecológicos, feministas, LGBTQ+, antirracistas, indígenas e camponeses. Obtiveram-se algumas vitórias notáveis: a vitória dos camponeses indianos contra o governo de Modi, a vitória dos “zadistas” em França contra o aeroporto de Notre-Dame-des-Landes, a vitória das mulheres na luta pelo aborto na Argentina, a vitória dos Sioux nos EUA contra o oleoduto XXL… Mas o inimigo está na ofensiva e muitas lutas são derrotadas. A nossa tarefa, enquanto militantes da Quarta Internacional, é ajudar a organizar e a ampliar as lutas, fazendo valer a nossa perspetiva ecossocialista e internacionalista.

6.3. O produtivismo das forças hegemónicas da esquerda, partidos e sindicatos, constitui um sério obstáculo no caminho para uma resposta ecossocialista à altura da situação objetiva. A maioria das direções abandonou qualquer perspetiva anticapitalista. A social-democracia e todas as outras variantes do reformismo tornaram-se social-liberais, com a única ambição de introduzir algumas correções sociais no mercado, dentro dos limites do quadro neoliberal. A maioria das direções das grandes organizações sindicais limita-se a acompanhar as políticas neoliberais com a ilusão de que o crescimento capitalista melhorará o emprego, os salários e a proteção social. Em vez de organizar uma tomada de consciência do impasse ecossocial, estas políticas de colaboração de classe aprofundam-no e escondem sua gravidade.

6.4. Felizmente, algumas forças políticas e correntes sindicais – especialmente na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina – começam a distanciar-se do produtivismo e do neoliberalismo. Nos sindicatos, os ativistas conscientes do desafio ecológico propuseram o conceito de “transição justa”. Os dirigentes sindicais da social-democracia e da CSI (Confederação Sindical Internacional) desviaram-no para o apoio ao produtivismo e à competitividade das empresas. A classe dominante é especialista em manipulação. É assim que a “transição justa” se juntou ao “desenvolvimento sustentável” nos discursos dos governos que espezinham a justiça e organizam a insustentabilidade.

6.5. Nos países capitalistas “desenvolvidos”, as fileiras das forças tradicionais foram reforçadas pelos partidos verdes. Foram necessárias quatro décadas para que a grande maioria destes partidos se juntasse à camada dos gestores políticos do capitalismo. O seu pragmatismo, baseado na responsabilidade individual dos consumidores, é prolongado na sociedade civil por inúmeras associações ambientalistas. Permitiu à social-democracia e às direções tradicionais do trabalho disfarçar sua colaboração de classe na defesa do “mal menor social”, com as ecotaxas e outras soluções ditas “realistas” da ecologia “nem de esquerda nem de direita”.

6.6. Noutras partes do mundo, embora ainda minoritário, o ecossocialismo começa a ganhar influência nos movimentos sociais e na esquerda radical. Algumas experiências locais importantes – em Mindanau, Rojava e Chiapas, entre outras – têm afinidades com a perspetiva ecossocialista. No entanto, o crescimento capitalista ainda aparece falsamente para a maioria como a única forma de melhorar as condições sociais.

6.7. Dada a profundidade da crise e da desorientação, existe um risco real de se assistir a uma tendência crescente em sectores das classes trabalhadoras de sacrificar objetivos ecológicos no altar do desenvolvimento, da criação de emprego e do aumento dos rendimentos. Esta tendência só aceleraria a catástrofe de que estas mesmas classes são já as primeiras vítimas e aprofundaria a perda de legitimidade dos sindicatos. Criaria também um terreno fértil para as tentativas neofascistas de branquear projetos racistas, colonialistas e genocidas. Os migrantes que fogem das suas terras devastadas são os principais alvos destas campanhas de ódio.

6.8. O projeto socialista está profundamente desacreditado pelas memórias do estalinismo e da social-democracia. É a partir das lutas que devemos reinventar uma alternativa, e não a partir de dogmas.

6.9. Quem está hoje na linha da frente do verdadeiro movimento? Povos indígenas, jovens, camponeses, pessoas racializadas que pagam um preço elevado pela destruição social e ecológica. Nestes quatro grupos, as mulheres desempenham um papel decisivo, em ligação com as suas reivindicações específicas, ecofeministas, pelas quais lutam e se organizam autonomamente.

6.10. A aliança camponesa internacional Via Campesina demonstra que é possível combinar a defesa dos direitos dos camponeses pobres e dos povos indígenas, a luta contra o extrativismo e a agroindústria, a luta pela soberania alimentar e a preservação dos ecossistemas, com o feminismo.

6.11. A grande maioria dos trabalhadores está ausente ou afastada das lutas anti-produtivistas. Uma parte deduz que a luta de classes está ultrapassada, ou que deve ser travada por uma “classe ecológica” que existe apenas na sua imaginação. Mas travar a catástrofe só é possível revolucionando o modo de produção da existência social. Como seria possível esta revolução no modo de produção da existência social sem a participação ativa e consciente dos produtores? Além disso, eles são a maioria…

6.12. Outra parte, pelo contrário, deduz que é necessário esperar pelo momento em que a massa dos trabalhadores em luta pelas suas reivindicações socioeconómicas imediatas tenha atingido o nível de consciência que lhes permita participar na luta ecológica numa “linha de classe”. No entanto, como é que o nível de consciência da massa dos trabalhadores integraria a seu tempo as questões ecológicas se nenhuma luta social importante vier abalar o quadro produtivista no qual a massa dos trabalhadores, cada vez mais na defensiva, apresenta espontaneamente as suas reivindicações socioeconómicas imediatas? Ultrapassar o quadro produtivista exige uma lógica de iniciativa pública e de planeamento das reconversões necessárias, com garantia de emprego e de rendimento.

6.13. A luta de classes não é uma pura abstração. “O movimento real que abole o estado atual das coisas” (Marx) define-a e designa as suas atrizes e seus atores. As lutas das mulheres, das pessoas LGBTQ+, dos povos oprimidos, dos povos racializados, dos migrantes, dos camponeses e dos povos indígenas pelos seus direitos não são colocadas ao lado das lutas dos trabalhadores contra a exploração do trabalho pelos patrões. Fazem parte da luta de classes viva.

6.14. Fazem parte dela, porque o capitalismo precisa da opressão patriarcal das mulheres para maximizar a mais-valia e garantir a reprodução social a um custo mais baixo; precisa da discriminação das pessoas LGBTQ+ para validar o patriarcado; precisa do racismo estrutural para justificar o saque da periferia pelo centro; precisa de “políticas de asilo” desumanas para regular o exército industrial de reserva; precisa de submeter o campesinato aos ditames da agroindústria produtora de “comida de plástico” para reduzir o preço da força de trabalho e precisa de eliminar a relação de respeito que as comunidades humanas ainda mantêm entre si e com a natureza, para a substituir pela sua ideologia individualista de dominação, que transforma o coletivo em autómato e o que está vivo em coisas mortas.

6.15. Todas estas lutas, e as dos trabalhadores contra a exploração capitalista, fazem parte do mesmo combate pela emancipação humana, e esta emancipação só é realmente possível e digna da humanidade tendo a consciência de que nossa espécie pertence à natureza e tem, por causa de sua inteligência específica, a responsabilidade, agora inevitável e vital, de cuidar dela. Tal é para nós, de facto, a implicação estratégica decorrente do facto de a força destruidora do capitalismo ter conduzido o planeta a uma nova era geológica.

6.16. Esta análise é a base da nossa estratégia de convergência das lutas sociais e ecológicas.

6.17. Essa convergência de lutas não se deve limitar à procura, entre movimentos sociais, ou entre aparelhos de movimentos sociais, do máximo denominador comum em termos de reivindicações. Esta conceção pode implicar a desconsideração de certas reivindicações de certos grupos – em detrimento dos mais fracos entre eles – ou seja … o contrário da convergência.

6.18. A convergência das lutas sociais e ecológicas inclui todas as lutas de todos os atores sociais, dos mais experientes aos mais hesitantes. É um processo de articulação dinâmica, que eleva o nível de consciência através da ação e do debate, no respeito mútuo. O seu objetivo não é a determinação de uma plataforma fixa, mas a constituição da unidade de combate dos explorados e oprimidos em torno de reivindicações concretas, criando uma dinâmica que visa a conquista do poder político e o derrube do capitalismo em todo o mundo.

6.19. Na prática, a convergência ecossocial das lutas implica sobretudo, hoje em dia, que os sectores mais conscientes das ameaças ecológicas se dirijam aos sectores mais conscientes das ameaças sociais, e vice-versa, a fim de ultrapassarem juntos a falsa oposição capitalista entre o social e o ecológico.

6.20. Nesta abordagem, a defesa de um eco-sindicalismo simultaneamente classista e anti-produtivista desempenha um papel essencial, baseado nas preocupações concretas dos trabalhadores com a preservação da sua saúde e segurança no trabalho e nas suas funções de alerta para os danos causados aos ecossistemas e para o perigo da produção, que estão em melhores condições de desempenhar.

6.21. Como ativistas ecossocialistas, encorajamos a resistência nos locais de trabalho através de greves e de todas as iniciativas que promovam a organização e o controlo pelos trabalhadores. Trabalhamos para reforçar as mobilizações, combinando a ampliação das greves, a massificação das manifestações, promovendo todas as formas de auto-organização e autoproteção da luta contra a repressão, bem como a sua popularização, para combater as mentiras dos meios de comunicação dominantes e do aparelho governamental.

6.22. Inspiramo-nos igualmente em formas de desobediência civil, do bloqueio de instalações ao boicote ao pagamento de rendas, que também deram provas da sua eficácia.

6.23. As experiências de luta contribuem para alimentar o debate estratégico.

6.24. As lutas anti-produtivistas são diversas, mas geralmente o seu ponto de partida é muito concreto, frequentemente local, em oposição a uma nova infraestrutura de transportes (autoestrada, aeroporto etc.), a uma infraestrutura comercial ou logística, a uma infraestrutura extractivista (minas, oleodutos, megabarragens etc.), à apropriação de terras ou de água, à destruição de uma floresta ou de um rio etc. Em primeiro lugar, é a ameaça à vida quotidiana, aos meios de subsistência e à saúde que mobiliza as pessoas, e não o discurso genérico. Ao confrontar os decisores políticos, os grupos capitalistas e as instituições que os protegem, ao forjar alianças entre atores com diferentes histórias e compromissos, a luta torna-se cada vez mais global e política.

6.25. Estas combinações de lutas enraizadas num território específico com um objetivo preciso e um combate geral existem em todo o mundo e formam uma nova realidade política chamada “Blockadia”.

6.26. Em França, contra o projeto do aeroporto de Notre-Dame-des-Landes, a convergência de agricultores, jovens ativistas radicais e habitantes locais conquistou o apoio da população e dos sindicalistas, incluindo os da empresa concessionária, e conduziu à vitória.

Inspirado por esta estratégia vitoriosa, o movimento “Soulèvement de la Terre” foi capaz, através da organização da luta contra as megabacias (enormes reservatórios de água para a irrigação de culturas industriais), de colocar a questão da água como um bem comum a preservar contra sua monopolização pela agroindústria.

6.27. Nos Estados Unidos, contra o oleoduto Dakota Access Pipeline (DAPL), que ameaça poluir o Missouri e o Mississípi e atravessa as terras sagradas dos nativos Sioux, estes montaram um acampamento em Standing Rock, ao qual se juntaram milhares de pessoas, jovens, ambientalistas… O acampamento resistiu a uma repressão feroz e forçou uma investigação sobre os perigos do DAPL para o meio-ambiente. A batalha jurídica e política continua.

6.28. A formação de uma consciência de classe ecossocialista implica uma convergência nas lutas em que (jovens) cientistas podem contribuir utilizando e partilhando os seus conhecimentos (agronómicos, climáticos, naturalistas…).

6.29. Os comités de greve, os centros de saúde comunitários, o controlo de empresas, as ocupações de terras, os espaços comuns autogeridos, oficinas de reparações, cantinas, bibliotecas de sementes etc., permitem a experimentação de uma organização social livre de capitalismo. Permitem aos que estão privados de poder político e económico experienciar o seu poder e inteligência coletivos. Contradizendo as ilusões sobre um possível contorno ou ajustamento do sistema, cedo ou tarde elas confrontam-se com o Estado e o mercado capitalista, mostrando que é impossível prescindir do poder político e do necessário derrube do sistema. No entanto, ao estabelecerem, mesmo que temporariamente, uma outra legitimidade, popular, democrática e baseada na solidariedade, as alternativas concretas permitem aos dominados tomar consciência das suas próprias forças e trabalhar para a construção de uma nova hegemonia.

6.30. Mais globalmente, a construção de órgãos auto-organizados de poder popular está no centro da nossa estratégia.

6.31. A crise sistémica do “capitalismo tardio”, dominado pela finança transnacional, alimenta simultaneamente a repugnância diante dos fenómenos de decadência do regime burguês e um sentimento de impotência perante a profunda deterioração, quantitativa e qualitativa, da correlação de forças entre as classes. Neste contexto, a questão do governo adquire uma importância acrescida. A tomada do poder político é uma condição prévia para a aplicação de um plano que inicie uma política de rutura, mas os últimos anos mostraram as ilusões mortíferas dos projetos políticos que exploram as aspirações populares, canalizam as mobilizações, e até as sufocam em nome da realpolitik, e assim reforçam a extrema-direita.

6.32. Não há atalhos. Uma estratégia ecossocialista de rutura implica a luta pela formação de um governo com base num plano de transição e a promoção sistemática da auto-atividade, do controlo e da intervenção direta dos explorados e oprimidos a todos os níveis, porque nenhuma medida consistente contra a exploração, a opressão e a destruição dos ecossistemas será imposta sem um equilíbrio de poder baseado nesta auto-organização. Por conseguinte, a autoemancipação não é apenas o nosso objetivo, mas também uma estratégia para derrubar a ordem estabelecida. Devem ser construídas novas instituições para deliberar, para decidir democraticamente, para organizar a produção e toda a sociedade… Esses novos poderes terão que enfrentar a máquina do Estado capitalista, que deve ser quebrada. O derrube da ordem social, a expropriação dos capitalistas, deparar-se-á inevitavelmente com a resposta violenta e armada das classes dominantes. Perante esta violência, os explorados e oprimidos não terão outra escolha senão defenderem-se, será uma questão de auto-organizar democraticamente a violência legítima, recusando o virilismo e o substitucionismo.

6.33. Refletir e agir, construir lutas e instrumentos de luta, comparar experiências e aprender com elas: a realização internacional desta imensa tarefa exige um instrumento político, uma nova Internacional dos explorados e oprimidos. Com este Manifesto, a Quarta Internacional expressa sua disposição de ajudar a enfrentar este desafio.

Fevereiro 2024

[1] Neste documento, utilizamos o termo “Sul Global” para descrever países dependentes, países dominados, países periféricos na Ásia, África e América Latina. Utilizamos todas estas expressões para nos referirmos à mesma realidade. Não incluímos no Sul Global países como a China, a Rússia, as monarquias petrolíferas etc., que ocupam um lugar específico no sistema de dominação capitalista mundial e não podem ser considerados “dominados”. 

[2] TeraWatt-hora (1 TWh = 1 mil milhões de kWh). Esta unidade de energia é utilizada para medir a produção de electricidade de uma central eléctrica (alguns TWh) ou a produção nacional. Um quilowatt-hora é equivalente a uma potência constante de um quilowatt durante uma hora e equivale a 3,6 milhões de joules ou 3,6 megajoules. 

[3] Este efeito ricochete também é conhecido como “paradoxo de Jevons”.



Deixe um comentário