E FOMOS PARA A RUA GRITAR

A arte é a nossa profissão, a poesia a nossa arma. E vossa. A arte é de todos e deve ser um caminho revolucionário de emancipação. A arte está na rua e contamos convosco. É preciso ter opinião e megafones a dizê-la.

Texto de Frederico Mira George

A luta dxs trabalhadorxs da arte tem sido feita de coragem e mobilização: lutamos pelos mais elementares direitos de reconhecimento profissional por parte da República. Estamos unidos pelo reconhecimento legal de milhares de cidadãos e cidadãs trabalhadorxs nas mais diversas atividades artísticas e a subsequente integração na Segurança Social, no Plano Nacional de Reformas, Pensões, Assistência médica no SNS.
Quarenta e seis anos depois do 25 de Abril, as atividades artísticas, em toda a sua abrangência (existem centenas de atividades profissionais dentro da atividade artística que não são desenvolvidas por artistas) continuam sem ser consideradas, são mesmo ignoradas, sobrevivem à margem de qualquer direito laboral porque não existem aos olhos dos sucessivos governos nestes quase cinquenta anos de «democracia». Nós, artistas, pura e simplesmente não existimos para segurança social, não existimos nos programas eleitorais dos partidos, não existimos para o parlamento, para governo, estamos riscados do orçamento de estado. A arte para o estado português é apenas mais um incómodo despachado para uma SACA sem fundo a que chamam cultura. E nem percebem que cultura e arte são coisas diferentes. A cultura é a expressão generalizada de um povo, a sua história, as suas vivências e experiências como coletivo. A Arte é a atividade amadoramente-profissional da criação da beleza, da invenção do poema, do ócio. A Arte é o contrário do negócio, é a dádiva natural do imaginário através de objetos, representações, sons, cores, palavras, movimentos, ficções do real e o real projetado no futuro. A Arte evidentemente TAMBÉM integra o tecido cultural, mas não só, a Arte integra aquilo a que chamamos Cultura, tanto como a atividade política, o património histórico, a matriz das cidades, a ciência e os costumes culinários ou religiosos. Os artistas são os trabalhadorxs que, como quaisquer outrxs, exercem parte das atividades que caracterizamos como artísticas, mas que não têm a possibilidade de o fazer com direitos porque sem reconhecimento legal não há direitos laborais. Nem quaisquer outros.

A pandemia de COVID-19 fez com que milhares de trabalhadorxs de todas as áreas de atividade artística caíssem na MISÉRIA, dependendo da solidariedade de camaradas de profissão, familiares, de centros de apoio e acolhimento a sem-abrigo, a estruturas de distribuição de alimentar. Nós que trabalhamos todos os dias das nossas vidas nesta profissão que é «amadora» porque a amamos, estamos a sobreviver sem acesso à saúde, sem perspetivas de qualquer tipo de assistência, subsídio de desemprego, pedidos de auxílio em virtude das consequências daquilo a que o presidente da república com autorização parlamentar decretou como Estado de Emergência. Porquê? Porque não existimos. E sabem, xs artistas também têm filhos, pais velhos que necessitam de cuidados, agregados familiares dependentes. Precisam de viver em casas e por isso pagam rendas, luz, água, gás, como toda a gente, mas não têm acesso às (parcas) medidas de emergência que o parlamento aprovou para auxiliar os portugueses, que existem.
Mas existe um Ministério da Cultura: onde governa gente que NÃO É COMPETENTE, NÃO É SÉRIA, E PIOR: ESTÃO A AGRAVAR O PROBLEMA. NÃO SABEM O QUE FAZEM! Mas não será por não saberem o que fazem que lhes perdoaremos a ineficácia e as teias de interesses da senhora ministra (que não nos comove com o seu charme dissimulando incompetência), nem os secretários de estado com cabeça de avestruz enterrada no chão à espera que a tempestade passe e ninguém note que não fazem nada. Nós não existimos, mas para espanto geral existem DIRETORES GERAIS DAS ARTES (só a expressão arrepia) e seus acólitos, saltando de inauguração em inauguração para provar que A CULTURA é rica, como a fava, mas as ARTES, de que dizem ser Diretores Gerais é assunto para a caridade. Mas são exemplares como burocratas fazedores de reuniões onde nada acontece e promovem muitos concursos e editam milhares de regulamentos para que os artistas, que afinal não existem, concorram sob promessa de financiamento a conta-gotas, um dia, lá longe. Mas ainda não perceberam que existe uma pandemia que impede dezenas de artistas de trabalhar, e que a nossa condição exige um estatuto que nos permita viver com direitos, trabalhar com salário, ter apoio em casos de calamidade, e não de concursos e financiamentos. O Governo e o Parlamento não podem agir como entidades bancárias, nem decidir que há trabalhadorxs que não devem ser contemplados com essa dignidade.
A nossa luta é proporcional ao que não temos para comer, às casas de onde somos despejados por falta de pagamento de rendas, à luz que não podemos acender.
A nossa luta é proporcional a TODA E A CADA MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA QUE IRREMEDIAVELMENTE DEIXAMOS POR FAZER… E isso é que é um dano cultural. É uma Calamidade Pública. É uma Emergência em Estado Grave.

Por todos estes motivos e muitos mais que devem ser desenvolvidos de forma a chamar vacas às vacas e bois aos bois, pontos nos is como se costuma dizer (especialmente depois do dia em que a ministra charmosa Graça Fonseca, sem nenhuma vergonha na cara, afirmou que nada será mexido para que tudo fique igual, ao contrário do que o governo tinha garantido), apelamos à vossa solidariedade e a que se juntem a nós. A arte é a nossa profissão e amor, a poesia a nossa arma, a invasão do mundo pelas rosas é a nossa causa. E vossa. A arte é de todos e deve ser um caminho revolucionário de emancipação. A arte está na rua e contamos convosco. É preciso ter opinião e posição e megafones a dizê-la.
Unamo-nos

Frederico Mira George
Artista Plástico, Escritor
Plataforma Ágil da Sociedade Nacional de Belas Artes
Membro do Coletivo Toupeira Vermelha – IVª Internacional

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